25 de abril de 2007

Foi você que pediu uma Europa-fortaleza?



A recente discussão (e mediatização) em torno do fenómeno da Extrema-Direita em Portugal e, em sentido mais lato, na Europa, faz levantar de novo uma série de questões.

A mais relevante, do ponto de vista político-institucional, será desde logo a recente aprovação em sede comunitária da legislação que condena criminalmente a promoção e o incitamento ao ódio racial e à xenofobia.
O aspecto positivo da medida é a harmonização legal desta matéria no conjunto dos Estados-membros da União Europeia. Medida que, no entanto, dará que falar nos próximos tempos, até porque houve países (nórdicos) que levantaram o problema da liberdade de expressão, que – dizem – não deverá ser limitada mesmo em relação a ideologias que preconizam a limitação, ou mesmo eliminação, deste conceito na realidade social.

Com efeito, deve-se fazer uma pergunta, que não é nova: que legitimidade haverá para proibir a actividade da Extrema-Direita, enquanto ideologia contrária à Democracia, quando se permite a existência de partidos de Extrema-Esquerda (um conceito talvez mais ambíguo...) que defenderam e provavelmente ainda defendem (pelo menos mantêm um silêncio comprometedor) figuras como Estaline ou Mao Tsé-Tung, que não só lideraram regimes tão totalitários como os do eixo nazi-fascista, como integram com distinção o top dos maiores genocidas da História?
A diferença, afinal, sempre residiu em pormenores político-ideológicos, não nas consequências práticas da brutalidade e desumanidade com que a sua repressão se abateu sobre os cidadãos. Creio que uma simples análise séria aos contornos do regime de Nicolae Ceauşescu na Roménia dissipará qualquer dúvida.

O que é certo é que a renovação ou refundação partidária não se verificou apenas nas formações comunistas europeias. A Extrema-Direita que se apresenta a eleições na Europa e integra governos legitimados pelo voto não é “fascista” no sentido estrito do termo. Não advoga o modelo ditatorial – que considera ultrapassado – e não deseja a expansão imperial. O racismo biológico dá lugar ao “racialismo” e ao nacionalismo identitário. Cada um no seu lugar (do globo).
É uma ideologia que aprendeu a jogar pelas regras da Democracia, embora a despreze no seu íntimo. Diz-se contra o sistema, mas actua de forma ardilosa dentro deste. Não esqueçamos que, no passado, Hitler foi eleito chanceler...

Esta é a “Nova Direita”, delineada no pós-guerra e germinada no seio do GRECE (grupo de investigação e estudo da civilização europeia), que deseja uma Europa de nações diversas – tão diversas quanto Le Pen, Jörg Haider e o falecido Pim Fortyin podem ser.
Uma força política que, sublinhe-se, se constituiu enquanto grupo no Parlamento Europeu em Janeiro último, através do Identidade, Tradição e Soberania, paradoxalmente formado pelos votos de quem se sente desiludido com a U
nião Europeia.

Como foi anteriormente referido, este artigo pretende aludir a várias questões. Por exemplo, os “meros” 10% obtidos por Le Pen nas presidenciais francesas não reflectem o esmorecimento das ideias e sentimentos que o colocaram na segunda volta de 2002, mas antes a deslocação do voto (então de protesto contra o sistema) para Nicolas Sarkozy, que conseguiu de forma notória o seu intento de roubar parte do eleitorado da Frente Nacional.

Por aquilo que já foi dito, deve ser encarado com preocupação o aumento do número de cidadãos que defendem a noção de Europa-fortaleza. Não por convicção político-ideológica, mas pelos movimentos migratórios e o clima de insegurança urbana, pela globalização desregrada, pelo medo do Outro exponenciado pelo terrorismo. Terreno fértil para o populismo, que não reside apenas na Extrema-Direita...

Não é redundante recordar que as épocas de maior brilho na História da Europa – como a Antiguidade Clássica e o Renascimento – coincidem com a abertura e cosmopolitismo que, no fundo, ajudaram a moldar a nossa contemporaneidade. A Europa deve defender a sua identidade social e cultural, mas em interacção com o Mundo em que está inserida. Uma Europa-fortaleza só poderá (re)conduzir ao obscurantismo.

Qual será então a melhor resposta a dar a este fenómeno? Simples: dando provas da superioridade do modelo democrático e – acima de tudo – não proporcionar as condições para o aparecimento ou recrudescimento dos que se aproveitam de momentos como o que atravessamos para defender o regresso à “normalidade histórica”.

Se estas perturbações se verificam, como já antes se verificaram, por alguma razão foi. A Europa necessita de políticos atentos à realidade que os circunda, não de avestruzes...



Nuno Loureiro
Imagens: D.R.